Presidente Trump: Diplomacia e democracia na América

James Petras - 27 Feb 2017

A agenda sócio-económica de Trump já pôs em movimento poderosas correntes subterrâneas de conflito de classe. A classe média e política tem-se centrado sobre conflitos relativos a imigração, questões de género e relações com a Rússia, NATO e Israel bem como política intra-partidária. Estes conflitos obscurecem antagonismos de classe mais profundos

Decorrido o primeiro mês da administração do presidente Trump estamos em melhores condições para avaliar as políticas e a direcção do novo presidente. Um exame da política externa e interna, particularmente de uma perspectiva histórica e comparativa, proporcionará antevisões sobre se a América está a avançar para uma catástrofe como afirmam os mass media ou rumo a maior realismo e racionalidade.

 Assim, examinaremos se Trump prefere a diplomacia em relação à guerra. Avaliaremos os esforços do presidente para reduzir a dívida externa dos EUA e os seus fardos comerciais com a Europa e a Ásia. Prosseguiremos com a discussão das suas políticas de imigração e proteccionistas com o México. Finalmente, abordaremos as perspectivas para a democracia nos Estados Unidos.

Política externa

 As reuniões do presidente Trump efectuadas com os líderes do Japão, Reino Unido e Canadá em grande medida foram um êxito. A reunião Abe-Trump levou a laços diplomáticos mais estreitos e a uma promessa de que o Japão aumentaria seu investimento na indústria automobilística nos EUA. Trump pode ter melhorado as relações ao reduzir os desequilíbrios comerciais. Trump e Abe adoptaram uma posição moderada sobre o teste de míssil da Coreia do Norte no Mar do Japão, rejeitando uma nova acumulação militar como exigido pelos media liberais-neocon.

 A reunião EUA-Reino Unido, no período pós Brexit, prometeu aumentar o comércio.

 Trump propôs melhorar relações com a China, apoiando claramente a política de "China única" e processos para renegociar e reequilibrar relações comerciais.

 Os EUA apoiaram a votação unânime do Conselho de Segurança da ONU de condenação do lançamento do míssil da Coreia do Norte. Trump não considerou que constituísse uma ameaça militar ou aumentar o nível de sanções adicionais.

 A política de Trump de reconciliação com a Rússia a fim de melhorar a guerra contra o terrorismo islâmico foi frustrada. A caçadora de bruxas Elizabeth Warren da esquerda liberal, militares neoconservadores e membros do Partido Democrata declararam a Rússia como a ameaça primária à segurança nacional dos EUA!

 O raivoso e incessante ataque dos mass media forçou a demissão do Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, o general na reserva Michael Flynn, com base numa lei do século XVIII (o Logan Act ) que proibiu cidadãos privados de discutirem política com líderes estrangeiros. Esta lei nunca fora aplicada. Se fosse imposta, centenas de milhares de cidadãos americanos, especialmente pessoas importantes entre os 51 presidentes das Principais Organizações Judias Americanas, bem como editores de assuntos externos de todos os grandes e pequenos media dos EUA, além de académicos especializados em política externa, estariam na cadeia junto com traficantes de droga condenados. Sem jamais se embaraçar com o absurdo ou com a banalização da tragédia, esta recente "Tempestade num copo de água" provocou apelos apaixonados por parte dos media e de operacionais do Partido Democrata em favor de uma nova Investigação estilo 11 de Setembro quanto a conversas do general Flynn com os russos.

 O revés de Trump quanto ao seu Conselheiro de Segurança Nacional Flynn pôs em perigo as perspectivas de melhoria nos assuntos externos, tornando-as menos belicosas. Isto eleva o risco de uma confrontação nuclear e de repressão interna. Estes perigos, incluindo um expurgo interno anti-russo, estilo McCarthy, de políticos "realistas", são da responsabilidade exclusiva dos ultra-militaristas do Partido Democrata em aliança com os neoconservadores. Nada disto corrige os graves problemas socio-económicos internos.

Reequilibrar o gasto externo e o comércio

 O compromisso público de Trump acerca do reequilíbrio das relações dos EUA com a NATO, nomeadamente pela redução da fatia do financiamento estado-unidense, já começou. Actualmente apenas cinco membros da NATO cumprem a contribuição requerida. A insistência de Trump sobre a Alemanha, Itália, Espanha, Canadá, França e 18 outros membro para que cumpram seus compromissos acrescentaria mais de US$100 mil milhões ao orçamento da NATO – reduzindo desequilíbrios externos dos EUA.

 Claro está que seria muito melhor para todos se a NATO fosse desmantelada e as várias nações redistribuíssem estas muitas centenas de milhares de milhões de dólares para gastos sociais e desenvolvimento económico interno.

 Trump anunciou um grande esforço para reduzir desequilíbrios comerciais dos EUA na Ásia. Ao contrário das afirmações, feitas frequentemente por "peritos" em comércio externo dos mass media, a China não é a único, ou mesmo o maior, entre os "transgressores" que exploram o comércio desequilibrado com os EUA.

 O actual excedente comercial da China é de 5% do seu PIB, ao passo que o da Coreia do Sul é de 8%, o de Formosa é de 15% e o de Singapura é de 19%. O objectivo de Trump é reduzir os desequilíbrios comerciais dos EUA para US$20 mil milhões com cada país ou 3% do PIB. A quota de US$100 mil milhões de Trump posiciona-se em contraste acentuado com o desequilíbrio comercial dos "Cinco asiáticos" (Japão, China, Coreia do Sul, Formosa e Singapura) de US$700 mil milhões em 2015, segundo o FMI.

 Em suma, Trump está a mover-se para reduzir desequilíbrios externos em 85% a fim de aumentar a produção interna e criar empregos para indústrias com base nos EUA.

Trump e a América Latina

 A política latino-americana de Trump está centrada primariamente no México e num grau muito menor no resto do continente.

 O maior movimento da Casa Branca foi por a pique a Parceria Comercial Trans-Pacífico de Obama, a qual favorecia corporações multinacionais que exploram a força de trabalho do Chile, Peru e México, bem como atraía os regimes neoliberais na Argentina e no Uruguai. Trump herda do presidente Obama numerosas bases militares na Colômbia, Guantanamo, Cuba e Argentina. O Pentágono tem continuado a "guerra fria" de Obama com a Venezuela – acusando falsamente o vice-presidente venezuelano de tráfico de droga.

 Trump prometeu alterar a política comercial e de imigração dos EUA com o México. Apesar da oposição generalizada da política de imigração de Trump, ele está muito aquém de Obama na expulsão maciça de imigrantes do México e da América Central. O campeão da deportação da América foi o presidente Barack Obama, o qual em oito anos expulsou 2,2 milhões de imigrantes e membros das suas famílias, ou aproximadamente 275 mil por mês. No seu primeiro mês no gabinete, o presidente Trump deportou apenas um por cento da média mensal de Obama.

 O presidente Trump promete renegociar a NAFTA [Acordo de Livre Comércio da América do Norte], impondo uma tarifa sobre importações estimulando corporações multinacionais dos EUA a retornarem e investirem na América.

 Há numerosas vantagens ocultas para o México se responder às políticas de Trump com as suas próprias medidas económicas de "proteccionismo recíproco". Sob o NAFTA, dois milhões de agricultores mexicanos foram à bancarrota e milhares de milhões de dólares foram gastos a importar arroz, milho (subsidiados) e outros produtos dos EUA. Uma política de "Mexico First" poderia abrir a porta a um ressuscitar da agricultura mexicana para consumo interno e exportação. Isto diminuiria a migração para fora de trabalhadores agrícolas mexicanos. O México poderia renacionalizar sua indústria petrolífera e investir em refinarias internas ganhando milhares de milhões de dólares e reduzindo importações de refinados de petróleo dos EUA. Com uma política obrigatória de substituição de importações, a manufactura local poderia aumentar o mercado interno e o emprego. Aumentaria empregos na economia formal e reduziria o número de jovens desempregados recrutados pelos carteis da droga e outras gangs criminosas. Ao nacionalizar os bancos e controlar os fluxos de capitais, o México poderia bloquear a saída anual de cerca de US$50 mil milhões de fundos ilícitos. Políticas nacionais-populares, via reciprocidade, fortaleceriam a eleição de novos líderes que poderiam começar a expurgar a corrupta liderança policial, militar e política.

 Em suma, se bem que as políticas de Trump possam causar algumas perdas a curto prazo, elas podem levar a vantagens substanciais a médio e longo prazo para o povo mexicano e a nação.

Democracia

 A eleição do presidente Trump provocou uma virulenta campanha autoritária que ameaça nossas liberdades democráticas.

 A propaganda altamente coordenada e infindável de todos os media principais e dos dois partidos políticos falsificou e distorceu informações e encorajou representantes eleitos a condenar alguns nomeados de Trump para a política externa, obrigando a demissões e inversões de política. A demissão forçada do Conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn esclarece a agenda pró guerra do Partido Democrata contra a Rússia com armamento nuclear. Senadores liberais que outrora fizeram grandes discursos contra a "Wall Street" e os "Um por cento", agora pedem que Trump se recuse a trabalhar com o presidente Putin da Rússia contra a ameaça real do ISIS ao mesmo tempo que apoiam os neo-nazis na Ucrânia. Figuras liberais pressionam abertamente pelo envio de mais navios de guerra dos EUA para a Ásia para provocar a China, enquanto se opõem à política de Trump de renegociar favoravelmente acordos comerciais com Pequim.

 Há muitos perigos e vantagens ocultos nesta guerra político-partidária.

 Trump revelou as mentiras e distorções sistemáticas dos mass media, confirmando a desconfiança da maioria dos americanos para com as notícias dos media corporativos. A opinião negativa dos media, especialmente entre americanos no centro economicamente devastado do país (aqueles descritos por Hillary Clinton como os "deploráveis" ) é claramente acompanhada pelo profundo desprezo dos media por esta enorme porção do eleitorado. Na verdade, a constante tagarelice dos media acerca de como os maus "russos" hackearam as eleições presidenciais dos EUA dando a vitória a Donald Trump é, mais provavelmente, um "apito silencioso" [1] para mascarar sua relutância em denunciar abertamente o "brancos pobres" – incluindo trabalhadores e rurais americanos – que votaram esmagadoramente por Trump. Esta classe e elementos regionais explicam em grande medida a constante histeria acerca da vitória de Trump. Há fúria generalizada entre as elites, intelectuais e burocratas sobre o facto de que a grande cesta de deploráveis de Clinton rejeitou o sistema e rejeitou seus porta-vozes penteadinhos e manicurados dos media.

 Pela primeira vez há um debate político sobre liberdade de expressão aos mais altos níveis do governo. O mesmo debate estende-se ao novo desafio do presidente em relação ao enorme e não controlado aparelho das polícias estatais (FBI, NSA, CIA, Homeland Security, etc), o qual se expandiu maciçamente sob o governo de Barack Obama.

 As políticas comerciais e de alianças de Trump despertaram o Congresso dos EUA para debates sobre questões substantivas ao invés de quezílias procedimentais internas. Mesmo as políticas retóricas de Trump provocaram manifestações de massa, algumas das quais são de boa fé, ao passo que outras são financiadas pelos apoiantes bilionários do Partido Democrata e da sua agenda expansionista neoliberal, como o "Papai do céu das revoluções coloridas", George Soros. É uma questão grave se isto pode proporcionar uma abertura para genuínos movimentos de base democrático-socialistas organizarem e aproveitarem o fosso entre a elite.

 As falsas acusações de comunicação "traiçoeira" com o embaixador russo feitas ao Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, Michael Flynn, enquanto ainda civil, e o recurso ao Logan Act contra civis a discutirem política externa com governos estrangeiros, abre a possibilidade de investigar legisladores, como Charles Schumer e várias centenas de outros, por discutirem posições de política estratégica com responsáveis israelenses...

 Ganhe ou perca, a administração Trump abriu um debate sobre as possibilidades de paz com uma super-potência nuclear, um reexame do enorme défice comercial e a necessidade de defender a democracia contra ameaças autoritárias da assim chamada "comunidade de inteligência" contra um presidente eleito.

Trump e a luta de classe

 A agenda sócio-económica de Trump já pôs em movimento poderosas correntes subterrâneas de conflito de classe. A classe média e política tem-se centrado sobre conflitos relativos a imigração, questões de género e relações com a Rússia, NATO e Israel bem como política intra-partidária. Estes conflitos obscurecem antagonismos de classe mais profundos, os quais resultam de propostas económicas radicais de Trump.

 A proposta do presidente Trump de reduzir o poder das agências federais regulatórias e de investigação, simplificar e reduzir impostos, restringir gastos com a NATO, renegociar ou sucatear acordos multilaterais e cortar orçamentos para investigação, saúde e educação ameaçam seriamente o emprego de milhões de trabalhadores e responsáveis do sector público por todo o país. Muitas das centenas de milhares dos que protestam em comícios de mulheres e manifestações pela imigração e educação são funcionários públicos e membros das suas famílias que estão sob ameaça económica. Aquilo que superficialmente parece serem protestos sobre questões culturais específicas, de identidade ou de direitos humanos, são manifestações de uma luta mais profunda e mais extensa entre empregados do sector público e a agenda de privatizar o estado, a qual retira seu apoio de classe de pessoas de pequenos negócios atraídas por impostos mais baixos e menos sobrecargas regulatórias, bem como responsáveis de escolas privadas com financiamento governamental ("charter school") e administradores de hospitais.

 As medidas proteccionistas de Trump, incluindo subsídios à exportação, contrapõem as indústrias manufactureiras internas aos importadores multi-bilionários de bens de consumo baratos.

 As propostas de Trump para a desregulamentação do petróleo, gás, madeira, mais exportações agro-minerais e grandes investimentos em infraestrutura são apoiadas não só pelos patrões como também pelos trabalhadores destes sectores. Isto provocou um conflito agudo com ambientalistas, trabalhadores e produtores com base na comunidade, povos indígenas e seus apoiantes.

 O esforço inicial de Trump para mobilizar forças de classe internas opostas à contínua drenagem orçamental para a guerra além-mar e em apoio da construção do império com base em relações de mercado foi derrotado pelos esforços combinados do complexo militar-industrial, do aparelho de inteligência e dos seus apoiantes numa coligação neoconservadora-militarista com a elite política e seus apoiantes de massa.

 A evolução da luta de classe aprofundou-se e ameaça dilacerar a ordem constitucional em duas direcções: O conflito pode levar a uma crise institucional e forçar a saída de um presidente eleito e a instalação de um regime híbrido, o qual preservará os programas mais reaccionários de ambos os lados do conflito de classe. Importadores, investidores e trabalhadores em indústrias extractivas, apoiantes da educação e cuidados de saúde privatizados, belicistas e membros do politizado aparelho de segurança podem tomar o controle total do estado.

 Por outro lado, se a luta de classe puder mobilizar os trabalhadores do sector público, os do sector comercial, os desempregados, os democratas anti-guerra e empresários de TI progressistas e empregadores dependentes de imigrantes qualificados, bem como cientistas e ambientalistas num movimento maciço disposto a apoiar um salário digno e a unificar-se em torno de interesses de classe comuns, torna-se possível uma profunda mudança sistémica. No médio prazo, a unificação destes movimentos de classe pode levar a um regime híbrido progressista.

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[1] Apito silencioso (dog whistle): tipo de apito que emite som ultrasónico só captável por alguns animais, como cães e gatos. Foi inventado por Francis Galton em 1876.

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[Artigo tirado do sitio web portugués Resistir.info, do 27 de febreiro de 2017]