A alternância do poder imperial

Manlio Dinucci - 22 Nov 2016

O que muda na política externa dos Estados Unidos com a troca de guarda na Casa Branca? Certamente, não o objetivo estratégico fundamental de se manter como a potência global dominante, posição que vacila cada vez mais

 A derrota de Hillary é em primeiro lugar a derrota de Obama que, com o campo tomado em seus flancos, vê rejeitada a própria presidência. Conquistada, na campanha eleitoral de 2008, com a promessa que tinha sido apoiada não só por Wall Street mas também por “Main Street”, ou seja, o cidadão médio.

 Desde então, a classe média viu piorar sua própria condição, a taxa de pobreza aumentou, enquanto os ricos se tornaram cada vez mais ricos. Agora, apresentando-se como paladino da classe média, conquista a presidência Donald Trump, o outsider bilionário.

 O que muda na política externa dos Estados Unidos com a troca de guarda na Casa Branca? Certamente, não o objetivo estratégico fundamental de se manter como a potência global dominante, posição que vacila cada vez mais. Os Estados Unidos perdem terreno no plano econômico e no político e também com relação à China, à Rússia e outros “países emergentes”. Por isso, jogam a espada na balança. Daí a série de guerras em que Hillary Clinton desempenhou um papel de protagonista.

 Como resulta da sua biografia autorizada, foi ela que na condição de primeira dama convenceu o esposo presidente a destruir a Iugoslávia com a guerra, iniciando a série das “intervenções humanitárias” contra “ditadores” acusados de “genocídio”. Como resulta dos seus e-mails, foi ela que na condição de secretária de Estado convenceu o presidente Obama a destruir a Líbia com a guerra e a iniciar a mesma operação contra a Síria. Foi ela que promoveu a desestabilização da Venezuela e do Brasil e o “Pivô para a Ásia” estadunidense com objetivos contrários à China. Foi ainda ela, por meio da Fundação Clinton, que preparou na Ucrânia o terreno para o golpe da Praça Maidan que abriu caminho à escalada dos EUA/Otan contra a Rússia.

 Dado que tudo isso não impediu o relativo declínio da potência estadunidense, cabe agora à administração Trump corrigir o alvo, visando ao mesmo objetivo. É irrealista a hipótese de que ele vá abandonar o sistema de alianças centrado na Otan sob o comando dos EUA: seguramente, porém, baterá a mão na mesa para obter dos aliados um maior empenho, sobretudo em termos de despesas militares.

 Trump poderia buscar um acordo com a Rússia, inclusive com o intento de separá-la da China, em relação à qual ele anuncia medidas econômicas, acompanhadas de um ulterior fortalecimento da presença militar estadunidense na região da Ásia-Pacífico.

 Tais decisões, que levam seguramente a outras guerras, não dependem do temperamento belicoso de Donald Trump, mas dos centros de poder onde se encontra o quadro do comando de que depende a própria Casa Branca. São os colossais grupos financeiros que dominam a economia (somente o valor acionário das empresas de Wall Street supera o de toda a receita nacional dos Estados Unidos). São as multinacionais, cujas dimensões econômicas superam as de estados inteiros, que deslocam a produção aos países que oferecem força de trabalho a baixo custo, provocando internamente o fechamento de fábricas e desemprego (daí a piora das condições da classe média estadunidense). São os gigantes da indústria bélica que ganham com a guerra.

 É o capitalismo do século 21, do qual os EUA são a máxima expressão, que cria uma crescente polarização entre riqueza e pobreza. O setor que representa 1% da população mundial possui mais do que os restantes 99%.

 À classe dos super-ricos pertence o neopresidente Trump, ao qual o premiê italiano Renzi, como um Arlequim servidor de dois patrões, já jurou fidelidade depois de tê-la jurado ao presidente Obama.

 

[Artigo tirado do sitio web Rede Voltaire, do 17 de novembro de 2016]