As vias abertas da América Latina

Emir Sader - 03 Mar 2016

No meio da segunda década do século 21, podemos dizer que o futuro do continente está aberto. Ninguém pode garantir que os governos antineoliberais vão se consolidar definitivamente, nem tampouco que as tentativas de restauração conservadora vão se impor

 Nunca como agora o futuro da América Latina esteve tão aberto. Passamos por um momento, especialmente nos anos 1990, em que a história do continente parecia congelada. Impunha-se um modelo de forma avassaladora, que pretendia inverter e fechar ciclos históricos que apontavam em outra direção. Nunca mais desenvolvimento econômico, mas equilíbrios fiscais. Não mais distribuição de renda, mas concentração nas mãos dos mais competentes. Não mais direitos, mas concorrência no mercado. Nunca mais Estado, mas empresas.

 Se arriscaram, em meio a consensos, a anunciar o fim da História, que repousaria eternamente nos bracos da democracia liberal e da economia capitalista de mercado. Sepultadas as alternativas , o capitalismo e o imperialismo poderiam redesenhar o poder no mundo.

 A América Latina era protagonizada por personagens como os presidentes Carlos Menem (Argentina), Alberto Fujimori (Peru), o brasileiro FHC, Carlos Andres Perez (Venezuela), Sánchez de Losada (Bolívia), Salinas de Gortari (México), entre outros, consagrados pela mídia internacional naquele momento como os “modernizadores”, os “liberalizadores”, os “globalizadores” das nossas sociedades, enfim salvas do “populismo”, do “estatismo”, do “nacionalismo”.

 Vítima privilegiada das grandes transformações regressivas ocorridas no mundo e, em particular, do neoliberalismo, onde foram eleitos mais governos e os mais radicais, a América Latina reagiu como já poucos acreditavam possível. E se tornou a única região do mundo com governos antineoliberais, com processos de integração regional, com capacidade para reverter as fortes tendências à desigualdade social e ao aumento da pobreza e da miséria no mundo.

 A América Latina ganhou o direito de definir sua história a partir da sua capacidade de reagir diante do modelo neoliberal e da globalização. Gracas à liderança de dirigentes como Hugo Chávez (Venezuela), Lula, Néstor e Cristina Kirchner (Argentina), Pepe Mujica (Uruguai), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), entre outros.

 Agora a América Latina enfrenta os efeitos duradouros da recessão internacional iniciada em 2008, juntamente com os ataques das articulações direitistas internas, gerando crises em vários dos nosso países.

 Neste momento, no meio da segunda década do século 21, podemos dizer que o futuro do continente está aberto. Ninguém pode garantir que os governos antineoliberais vão se consolidar definitivamente, nem tampouco que as tentativas de restauração conservadora vão se impor.

 As duas vias estão abertas. O que se pode dizer é que o cenário político latino-americano será novo daqui em diante. Já não se contará, no mercado internacional, com preços altos dos produtos de exportação, ao contrário: a recessão internacional tende a se prolongar. Tampouco será possível que cada país reaja isoladamente diante da crise global.

 A via de restauração neoliberal está sendo posta em prática na Argentina e rapidamente demonstra como suas posições aprofundam a recessão, o desemprego, o endividamento e a própria inflação.

 É uma via que expropria os direitos sociais, concentra renda, subordina os interesses do país aos grandes capitais internacionais e diretamente aos Estados Unidos. Conhecemos em que direção – trágica – ela poderia conduzir nossos países e nossos povos.

 A outra via é a de consolidar os extraordinários avanços conseguidos e avançar para uma América Latina ainda mais integrada – pelo Mercosul, pela Unasul, pela Celac –, mais vinculado ao destino do Sul do mundo, dos Brics e do seu Banco de Desenvolvimento.

 Com governos antineoliberais articulando e colocando em prática um modelo integrado de desenvolvimento com distribuição de renda; dinamizando incessantemente seus mercados internos de consumo de massas; fortalecendo e aprofundando a democracia e seus Estados; com processos democratizados de formação de suas opiniões públicas; construindo modelos de superação do neoliberalismo e de construção de sociedades baseadas no direitos de todos.

 Qual das duas vias vai triunfar, é o que se está decidindo neste momento no continente. As forças democráticas e populares não têm mais o direito de voltar ou seguir cometendo os erros que cometeram e que seguem cometendo. É o destino de nossos países em toda a primeira metade do século 21 que está sendo decidido.

 Consciência real dos problemas que estamos enfrentando; das forças com que contamos e com as que podemos contar; dos erros cometidos e da capacidade de renovação na direção das novas gerações, das mulheres e das camadas populares ainda postergadas; renovação do espírito democrático e da capacidade teórica criativa, nos podem levar, pela via democrática e popular, à superação da crise atual.

 As duas vias estão abertas. Os duros embates atuais decidirão qual das duas vai se impor.

 

[Artigo tirado do sitio web ‘Alainet’, do 1 de marzo de 2016]