Ecologia e Europa

Daniel Vaz de Carvalho - 10 Xun 2019

A satisfação das necessidades humanas de forma sustentável para a vida na Terra exige com toda a evidência outro modelo de sociedade, que não seja baseado na maximização do lucro privado, mas sim na maximização dos benefícios sociais – e por consequência também ambientais.

1- Os problemas ambientais como questão política

 Há umas décadas a paz parecia estar assegurada em termos globais, as questões ecológicas seriam o principal problema que a Humanidade enfrentava; movimentos progressistas procuraram mobilizar as populações neste sentido, que passava por combater a "sociedade de consumo" – só o era para alguns – melhor dizendo a "sociedade do desperdício" e das desigualdades.

 Foram então genericamente combatidos, quando não ridicularizados, como "fundamentalistas ecológicos", dado que a defesa do ambiente implicava combater a depredação capitalista.

 Atualmente não é mais assim. As questões ambientais continuam a ser por acrescidas razões uma causa primordial para a sobrevivência da vida na Terra, a que se somam as continuadas guerras levadas a cabo por motivos imperialistas além de que as tensões entre as grandes potências agravaram-se ao ponto do perigo de uma guerra nuclear não poder ser de forma alguma posto de parte e ignorado.

 É neste contexto que se dá a expansão de partidos ecologistas, ou tidos com tal, bem comportados para o sistema, ditos "moderados", cujo objetivo é resolver os problemas ambientais por meio de "reformas" e "mudança de mentalidades", isto é, tentar resolver problemas deixando intocáveis as causas. Longe de contestarem o sistema responsável pela degradação ambiental, procedem à sua camuflagem.

 Enfim, do "fundamentalismo ecológico" passou-se ao "oportunismo ecológico", com a correspondente promoção mediática de que a "descarbonização ambiental" se tornou a componente dominante.

 Esta situação reflete-se no resultado das últimas eleições para o Parlamento da UE em que o grupo dos "Verdes" obteve 70 mandatos passando de 8,9% para 13,4%.

 A degradação ambiental e as alterações climáticas são uma realidade, porém na escolástica que vigora no mundo atual, das "inevitabilidades" e do "não há alternativa", foi instituído o dogma de que o dióxido de carbono (CO2) seria o inimigo principal do ambiente, tornando-se uma nova religião que tem de ser aceite sob pena de excomunhão.

 O grande capital deu esta bandeira aos "ecologistas reformistas" e absorveu-o nos seus esquemas, de tal forma que se propõe agora que os partidos da direita e extrema-direita assumam também este objetivo como seu.

 Não há comprovação científica de que as alterações climáticas sejam causadas pelo CO2. Há dados empíricos interpretados de determinada forma, pondo de lado todo um complexo conjunto de contextos e causas possíveis e detetáveis. Isto mesmo tem sido repetidamente dito – e silenciado – por importante parte da comunidade científica.

2 - Os ecologistas do CO2

 Fala-se de gases de efeito de estufa como responsáveis pelas alterações climáticas. A primeira falácia é reduzirem-se estes ao CO2. Outro aspeto não explicado – na realidade escamoteado – é que tendo aumentado a concentração de CO2 na atmosfera desde os finais do século XVIII, se registaram períodos frios ao longo deste tempo, designadamente nos anos 40 do século passado. Ou se quisermos recuar, também não é explicável pela concentração de CO2 a existência de períodos quentes no passado, como o que levou no século IX e X os vikings a instalarem-se na Gronelândia (a Terra Verde).

 Ora os gases de efeito de estufa relevantes são o CO2, o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). Com a agravante de o CO2 ser essencial para a existência de vida na Terra, enquanto os demais são tóxicos, poluentes e agressivos. Do ponto de vista do efeito de estufa o metano tem um potencial 60 vezes superior ao do dióxido de carbono e o óxido nitroso quase 300 vezes superior.

 A agricultura industrial é responsável por 25% das emissões de CO2, 60% de metano e 70 a 80% do óxido nitroso, além disto a questão do CO2 foi centrada nos automóveis ligeiros. O que não passa de uma farsa, ignorando, por exemplo, os cerca de 13 milhões de veículos pesados que circulam pelas estradas da Europa, graças ao sacrossanto comércio livre.

 Há dezenas de milhões de veículos pesados, milhares de navios e aviões que diariamente viajam por todo o mundo, em resultado sobretudo da globalização neoliberal, mas que não são considerados.

 Os grandes porta-contentores queimam cada um 10 mil toneladas de combustível para uma viagem e regresso entre a Ásia e a Europa. A frota de cargueiros, petroleiros e outros navios atinge cerca de 100 mil unidades, percorrendo os mares. A que se somam as frotas de pesca e recreio. Só em França há mais de 5 mil iates com mais de 60 metros, que queimam cerca de 900 litros de combustível por hora. [2]

 Mas nada disto se vê ser abordado na maioria dos partidos que se assumem como ecologistas. Pelo contrário, a campanha mediática feita de sensacionalismos e obscurantismo quanto às causas, leva a que a sua agenda ecológica centrada no CO2 se tenha tornado mais uma forma de alienação, afastando as populações do esclarecimento e da promoção de efetivas medidas de proteção ambiental, que obviamente entrariam em choque com os interesses das transnacionais.

3 - A degradação ambiental

 A degradação ambiental é uma evidência de há décadas. Desde então tudo tem piorado: a poluição atmosférica – causa de múltiplas doenças respiratórias, cutâneas e alergias; a poluição de níveis freáticos, rios e mares, atinge em muitos casos níveis dramáticos; a redução da terra arável consequência da agricultura intensiva; a desflorestação, consequência do abate de florestas pela agricultura industrial levada a cabo por latifundiários e transnacionais.

 O sistema vigente tem sido, principalmente pela agricultura industrial e expansão do urbanismo, responsável pela perda de biodiversidade. Segundo a organização da ONU para a biodiversidade (IPBES) um milhão de espécies estão à beira de extinção, das cerca de 8 milhões estimadas. Desde 1960, 680 espécies de vertebrados, 559 raças domesticadas de mamíferos para a alimentação; mais de 40% das espécies anfíbias, um terço dos mamíferos marinhos, etc.

 A pegada ecológica (quantidade de solo e água necessários para produzir os recursos necessários ao que se consome e absorver os resíduos) excede em mais de 50% o que o planeta permite. Calcula-se que após 2030 serão necessários dois planetas para satisfazer as "necessidades" existentes, isto é, os excessos.

 A recusa do modelo de sociedade capitalista seria nestas condições e obviamente um desígnio ecologista. Mas não, tudo fica envolvido na falácia do CO2, sem nada resolver, limitando-se a tornar as populações permeáveis a esta forma de alienação.

 Vejamos: os EUA com pouco mais que 4% da população mundial consomem anualmente 25% dos recursos mundiais – e geram resíduos na mesma proporção. Seria o último modelo de sociedade que um ambientalista promoveria, mas os ecologistas do CO2 nada de concreto dizem sobre isto. Pelo contrário, apoiam os "mecanismos do mercado" e o liberalismo económico, como se não fossem altamente agressivos para o ambiente, a par com medidas avulsas que o sistema tolera e até apoia, visto tornarem-se fonte de lucro privado.

 Aliás, aquele nível de consumo e desperdício obriga a manter um poder imperialista sobre as fontes de recursos humanos e materiais do resto do mundo, como se os correspondentes dispositivos militares e guerras não fossem altamente agressivos para o ambiente, consumidores e destruidores de recursos não renováveis.

 Estes aspetos deveriam estar na primeira linha do combate ecológico, sobretudo dos que atribuem origem humana às alterações climáticas. Mas não, tudo foi reduzido a falsas soluções de que o sistema sempre retira proveitos. É o caso dos automóveis elétricos e dos biocombustíveis.

 Os automóveis elétricos não passam de uma falácia em termos ambientais, fortemente subsidiada pelos Estados. Os seus componentes são altamente consumidores de recursos e intensos agentes poluidores, designadamente as baterias com a sua produção, relativa curta duração e reciclagem.

 Os biocombustíveis – domínio das transnacionais – implicam a desflorestação, e a utilização intensa de fertilizantes químicos (emissores de N2O), além de promoverem o êxodo rural, destruição da agricultura familiar sustentável e fator de encarecimento dos bens alimentares básicos.

 As energias renováveis, privatizadas e subsidiadas pelo Estado, têm sido um rendoso negócio para as camadas oligárquicas.

4 - Agricultura industrial e agricultura familiar

 As florestas tropicais têm sido dizimadas desde há décadas pela agricultura industrial e pastagens de gado. Milhares de toneladas de N2O são o resultado desta exploração intensiva ao mesmo tempo que o ciclo de regeneração do CO2 é drasticamente perturbado e reduzido.

 A agricultura industrializada elimina as produções locais substituindo-as por monoculturas em grande escala com vistas à exportação a milhares de quilómetros além de influir decisivamente na degradação da biodiversidade.

 Estas culturas intensivas, os OGM e plantas híbridas requerem muito mais água e produtos químicos do que a agricultura tradicional familiar sustentável. Se a preocupação quase exclusiva com o ambiente dos ecologistas do CO2 é o excesso de CO2, a solução mais lógica seria combaterem a agricultura industrializada, o domínio das transnacionais na produção e comércio e a globalização neoliberal.

 O comércio livre é uma componente básica da agricultura industrial. A agricultura industrial elimina a produção local, substituindo modelos ambientalmente sustentáveis por monoculturas em larga escala para exportação, conduzindo à diminuição da biodiversidade, esgotando recursos aquíferos, poluindo a atmosfera, degradando os sistemas de vida.

 Outra consequência é a expulsão de camponeses das suas terras, empurrados para as grandes cidades onde se aglomeram em favelas, com trabalho semi-escravo, ou caindo na marginalidade e na prostituição, ou sobrevivendo na procura de alimentação pelos caixotes de lixo.

 A concentração monopolista domina na produção e grande distribuição alimentar, no comércio de sementes e OGM, nos produtos agroquímicos. Porém, para aqueles ecologistas o sistema permanece intocável e a resolução dos problemas ambientais não sai dos mecanismos de mercado, com as ajudas do Estado, claro, a oligarquia agradece. Estes movimentos tornam-se aliás mais um bónus às transnacionais enquanto a predação monopolista e da sociedade de consumo/desperdício são silenciadas.

 Considera-se que 100 hectares dedicados à agricultura familiar podem gerar nos trópicos 35 postos de trabalho, a palma oleaginosa 10, os eucaliptos 2, a soja 1,5.

 Dir-se-á que a agricultura da pequena propriedade familiar não é viável. Mas o que significa ser viável? Viável em termos capitalistas significa a possibilidade de maximizar o lucro privado, os "moderados", bem comportados (para a oligarquia) não se afastam deste modelo. Numa sociedade voltada para transformações socialistas, o conceito de viável será avaliado em função do balanço de custos e benefícios sociais, incluindo os ambientais, de acordo com o planeamento económico democrático.

5 - A máscara ecologista do grande capital

 Com estes ecologistas do CO2 a oligarquia pode estar tranquila. Esta ecologia só por mera retórica coloca "algumas" reservas aos mecanismos do mercado livre e da globalização neoliberal.

 A globalização e o comércio livre favorecem as mega-empresas do sector alimentar, contribuindo para a degradação ambiental e a destruição das pequenas explorações agrícolas que deveriam ser a base de uma agricultura social e ambientalmente sustentável.

 As populações e em particular o eleitorado são seduzidos com "reformas" que não vão além de promover os "mecanismos de mercado" e o absurdo dos seus "equilíbrios automáticos".

 Parece evidente que para serem coerentes deveriam combater drasticamente a agricultura e pecuária industriais e a globalização neoliberal, sem pôr de parte a redução das desigualdades em cada país e entre países, lutando contra a "sociedade de consumo", isto é, a sociedade do desperdício, impulsionada pela chamada "economia de mercado".

 A carga ambiental total pode ser representada pela fórmula: CA = PxCxT

 Em que P - população; C - consumo; T - impacto ambiental da tecnologia utilizada por unidade de produção.

 Com alguma aproximação, podemos assimilar CA à pegada ecológica, ou seja, 1,5 vezes o que o planeta permite. Isto apesar de 70% da população (adulta) dispor apenas 2,7% da riqueza mundial, medida em dólares. Não é seguramente o consumo destes que provoca o excesso de carga ambiental. O mesmo não se poderá dizer dos 8,6% que dispõem de 85,6% da riqueza mundial. (OXFAM, 2017)

 Podemos aferir a sinceridade ou a eficácia dos diversos movimentos ecologistas, pelo seguinte: qual a posição que concretamente tomam:

perante a globalização neoliberal?

perante a agricultura industrializada?

perante as desigualdades no interior de cada país e entre países?

perante as guerras de agressão e ameaças de guerra imperialistas?

 Quatro condições se impõem para redução da carga ambiental:

 Redução das desigualdades entre países e no interior de cada país, com sacrifício do alto consumo supérfluo e do desperdício, fomentado pelas mega-empresas transnacionais.

 Alteração dos processos tecnológicos reduzindo os impactos ambientais resultantes das teses neoliberais de mercado livre e da ganância monopolista das transnacionais.

 Retorno à agricultura familiar sustentável, reflorestação do planeta, promoção do transporte público do Estado.

 Limitação do crescimento demográfico, em particular nos países pobres, pela elevação dos níveis de vida e de educação.

 A satisfação das necessidades humanas de forma sustentável para a vida na Terra exige com toda a evidência outro modelo de sociedade, que não seja baseado na maximização do lucro privado, mas sim na maximização dos benefícios sociais – e por consequência também ambientais.

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[1] 15ª Conferência da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 15), diktacratie.com/ne-changeons-pas-le-climat-changeons-le-systeme/

[2] Carros elétricos assunto de reflexão, groups.google.com/forum/#!topic/tertulia-das-tercas/R7q1fiPYj-M

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[Artigo tirado do sitio web Resistir.info, do 4 de xuño de 2019]