Porquê os «Papéis do Panamá» ?

Thierry Meyssan - 12 Abr 2016

Contrariamente às aparências, a campanha dos «Papéis do Panamá» não terá por consequência restringir os desvios financeiros peculato e aumentar as liberdades, mas, exactamente o contrário. O sistema irá contrair-se um pouco mais em torno do Reino Unido, da Holanda, dos Estados Unidos e de Israel, de tal modo que eles, e só eles, terão o seu contrôlo.

A estratégia económica dos Estados Unidos

 No início de seu mandato, o Presidente Obama designou a historiadora Christina Romer para presidir ao seu Comité de Conselheiros económicos. Esta professora, na Universidade de Berkeley, é uma especialista na crise de 1929 (conhecida como «A Grande Depressão»- ndT). Segundo ela, nem o New Deal de Roosevelt, nem a Segunda Guerra Mundial permitiram sair dessa recessão, mas, sim o afluxo de capitais europeus a partir de 1936, fugindo da «subida dos riscos».

 Foi em cima desta base que Barack Obama conduziu a sua política económica. Em primeiro lugar, agiu para fechar todos os paraísos fiscais que Washington e Londres não controlam. Depois, ele organizou a desestabilização da Grécia e de Chipre, de maneira a que os capitais europeus se refugiem nos paraísos fiscais anglo-saxões.

 Tudo começou na Grécia, em Dezembro de 2008, com manifestações após o assassinato de um adolescente por um policia. A CIA transportou, por autocarro, gorilas do Kosovo para desfazer uma manifestação e montar um princípio de caos [1]. O Departamento do Tesouro pode, então, verificar que os capitais gregos fugiam do país. A experiência era conclusiva, a Casa Branca decidiu mergulhar este frágil Estado numa crise financeira e económica, que pôs em causa a própria existência da zona Euro. Como previsto, cada vez que alguém se interroga sobre uma eventual expulsão da Grécia do euro. ou sobre uma dissolução da zona do euro, os capitais europeus precipitam-se para os paraísos fiscais disponíveis, principalmente britânicos, norte-americanos e holandeses. Em 2012, uma outra operação foi concretizada contra o paraíso fiscal de Chipre. Todas as contas bancárias para além dos 100. 000 Euros foram confiscadas. Foi a primeira, e única vez, numa economia capitalista que observamos esse tipo de nacionalização [2].

 No decurso dos últimos oito anos, assistimos a numerosas reuniões do G8 e do G20 que estabeleceram todo o tipo de regras internacionais, supostamente para prevenir a evasão fiscal [3]. No entanto, uma vez estas regras adoptadas por todos, os Estados Unidos –-e, em menor escala Israel, a Holanda e o Reino Unido--- isentaram-se delas, a si próprios.

Os paraísos fiscais

 Cada paraíso fiscal tem um estatuto jurídico especial, geralmente absurdo.

 Actualmente, os principais paraísos fiscais são o Estado independente da City de Londres (membro do Reino Unido, da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte), o Estado de Delaware (membro do Estados Unidos) e Israel, mas existem muitos outros paraísos fiscais, especialmente britânicos, a começar pelas ilhas de Jersey e de Guernsey (membros do Ducado da Normandia e, como tal, colocados sob a autoridade da Rainha da Inglaterra, mas, nem membros do Reino Unido nem da União Europeia), Gibraltar (um território espanhol, cuja contrôlo do terreno é inglês e que o Reino Unido ocupa ilegalmente) até Anguila, Bermudas, Ilhas Caimão, ilhas Turcas, Ilhas Virgens ou Montserrat. Há também alguns ligados à Holanda: Aruba, Curaçao e Saint Maarten.

 Um paraíso fiscal é uma «zona franca» alargada a todo um país. No entanto, no imaginário colectivo, uma zona franca é indispensável para a economia, enquanto um «paraíso fiscal» é uma calamidade, ora trata-se exactamente da mesma coisa. Claro, certas empresas abusam de zonas francas para não pagar impostos, e outras tiram proveito abusivo de paraísos fiscais, mas isso não é razão para pôr em questão a existência destes dispositivos indispensáveis ao comércio internacional.

 Na sua guerra contra os paraísos fiscais não Anglo-saxões, os EUA tem-se centrado em desferir golpes contra a Suíça [4]. Este país tinha desenvolvido um estrito sigilo bancário, permitindo a pequenos empreendedores realizar transações ao abrigo dos graúdos. Ao forçar a Suíça a abandonar o seu sigilo bancário, os EUA estenderam a sua vigilância em massa às transacções económicas. Desta forma, eles podem facilmente aldrabar a concorrência e sabotar a acção dos pequenos empreendedores.

Os «Papéis do Panamá»

 É neste contexto que Washington forneceu ao Süddeutsche Zeitung 11.500. 000 de ficheiros informáticos, pirateados no quarto escritório de advocacia no mundo encarregue de criar empresas off-shore. Sendo esta espionagem um crime, os pretensos «atiradores de lamirés» que o realizaram permaneceram anónimos. É claro que Washington primeiro triou cuidadosamente os dossiês e excluiu, antes de tudo, todos os relativos a cidadãos ou empresas norte-americanas, depois, provavelmente, os que dizem respeito aos seus bons aliados. O facto de alguns pretensos aliados, às boas com a administração Obama, —como o Presidente Petro Porochenko— figurarem nesses documentos, confirma-nos que eles acabam de ser revelados pelo seu poderoso protector.

 Muito embora o Panamá seja um país de língua espanhola (Castelhano- ndT) e o Süddeutsche Zeitung seja publicado na Alemanha, os arquivos roubados foram nomeados pelos espiões em Inglês : «Panamá Papers».

 De passagem, os autores desta fantochada tentam persuadir-nos que todos os que se levantam contra Washington seriam ladrões. Lembremos, por exemplo, das campanhas que foram lançadas contra Fidel Castro, acusado de ser um traficante de drogas e colocado pela Forbes entre as maiores fortunas do mundo [5]. Por ter visto as difíceis condições de vida da família Castro, em Cuba, eu pergunto-me como foi possível montar uma tal atoarda. Os novos secretos magnatas seriam, pois, Vladimir Putin Bashar, Bachar el-Assad e Mahmoud Ahmadinejad —cujo frugalidade é aliás legendária—.

 Esta propaganda contra os adversários políticos, não é senão a ponta visível do icebergue, sendo que o mais importante é o futuro do sistema financeiro internacional.

Violação da ética pelos jornalistas

 O Süddeutsche Zeitung faz parte do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ), uma associação especializada não em jornalismo de investigação, como o título pode sugerir, mas na denúncia de crimes financeiros.

 Nas sociedades republicanas, a Justiça deve ser igual para todos. Mas o ICIJ, que já tornou públicos mais de 15 milhões de ficheiros informáticos desde a sua criação, jamais atacou os interesses dos Estados Unidos. Ela não pode, portanto, de certeza pretender agir por preocupação de justiça.

 Por outro lado, os princípios republicanos da nossa sociedade determinam obrigações para os jornalistas. Estas foram formalizados na Carta de Munique, adoptada em 1971 por todos os sindicatos profissionais do Mercado Comum, depois estendidas ao resto do mundo pela Federação Internacional dos Jornalistas.

 Eu compreendo, perfeitamente, que este texto impõe limitações, por vezes difíceis de suportar. E eu, há alguns anos, fiz parte daqueles que acreditavam ser útil violá-la de vez em quando. Mas, a experiência prova que ao violá-la se abre a via para outras violações, que se voltam contra os cidadãos.

 Os jornalistas do International Consortium of Investigative Journalists não se colocaram nenhuma interrogação ética. Eles aceitaram trabalhar com documentos roubados, e escolhidos de avanço, sem ter a menor possibilidade de conferir a sua autenticidade.

 A Carta de Munique estipula que os jornalistas só publicarão informações cuja origem é conhecida, que eles não suprimirão informações essenciais e não alterarão os textos e os documentos; finalmente, que eles não usarão métodos desleais para obter informações, fotografias e documentos. Três requisitos que eles violaram, com perfeito conhecimento de causa, o que deveria excluí-los de organismos profissionais e provocar a saída dos directores da BBC, da France-Télévisions, da NRK, e por que não da Radio Free Europe / Radio Liberty (a rádio da CIA, a qual é também membro do Consórcio de Jornalistas).

 Este não é o primeiro caso do International Consortium of Investigative Journalists. Foi ele que tornou públicos, em 2013, 2,5 milhões de ficheiros informáticos roubados em 120.000 empresas off-shore. Depois, ainda foi ele quem revelou, em 2014, os contratos assinados entre multinacionais e o Luxemburgo, para beneficiar de uma fiscalidade privilegiada. E, foi sempre ele que revelou, em 2015, as contas do banco britânico HSBC na Suíça.

 O International Consortium of Investigative Journalists, suspeita-se, é financiado por diversas organizações ligadas à CIA, como a Fundação Ford, e as fundações de George Soros. Este último exemplo é o mais interessante : para os membros do ICIJ o dinheiro do Sr. Soros não vem da CIA mas das suas especulações financeiras, em desfavor dos povos, o que tornaria a coisa mais aceitável.

Sem paraísos-fiscais não Anglo-saxões, mais Resistência

 Que o Hezbolla detêm empresas e contas secretas no Panamá, e por outros lados, nada têm de  surpreendente. Eu referia num artigo recente os esforços da Resistência libanesa para se auto-financiar, sem ter que depender de subvenções iranianas. A complexa montagem financeira à qual se dedicou deverá ter de ser inteiramente reconstruida, à mingua do qual o Líbano se tornará a presa dos seus vizinhos israelitas.

 Que o Presidente Ahmadinejad tenha criado sociedades off-shore, para contornar o embargo do qual o seu país era vítima e vender petróleo, não só não é um crime, mas, sim todo um elogio.

 Que a família Makhlouf, os primos do Presidente el-Assad, tenha utilizado uma montagem financeira para contornar o embargo ilegal das potências ocidentais, e permitir aos Sírios alimentar-se durante cinco anos da guerra de agressão, é também totalmente legítima.

 Que vai restar desta vasta revelação ? Primeiro, a reputação do Panamá fica destruída e levará muitos anos a reparar. Em seguida, os pequenos malfeitores que se aproveitaram do sistema serão processados na Justiça, enquanto uma enorme quantidade de comerciantes honestos terão de se justificar perante os tribunais. Mas, ao contrário das aparências, os que animam esta campanha velarão para que nada mude. O sistema irá permanecer, portanto, em acção, mas, sempre, cada vez mais em exclusivo benefício do Reino Unido, da Holanda, dos Estados Unidos e de Israel. Acreditando defender as suas liberdades, aqueles que participarem nesta campanha irão tê-las, na realidade, mais diminuídas.

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[1] O meus agradecimentos para os leitores que encontrarão a entrevista que dei a um média grego sobre este assunto, em 2009. Eu não escrevi nenhum artigo, apenas um parágrafo, a propósito, em « La "révolution colorée" échoue en Iran » («A “revolução colorida” falha no Irão»- ndT), por Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 24 juin 2009.

[2] “O pião cipriota”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria) , Rede Voltaire, 25 de Março de 2013.

[3] « Le G 20 : une hiérarchisation des marchés financiers » («O G-20 : uma hierarquização de mercados financeiros»- ndT), par Jean-Claude Paye, Réseau Voltaire, 9 avril 2009.

[4] « Lutte contre la fraude fiscale ou main mise sur le système financier international ? », « UBS et l’hégémonie du dollar », par Jean-Claude Paye, Réseau Voltaire, 3 mars et 21 octobre 2009.

[5] « Forbes invente la fortune de Fidel Castro », par Salim Lamrani, Réseau Voltaire, 24 mai 2006.

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[Artigo tirado do sitio web ‘Red Voltaire’, do 8 de abril de 2016]