Trump: capitalismo nacionalista, uma alternativa à globalização?

James Petras - 08 Feb 2017

Trump não é um "protecionista", nem se opõe ao "livre comércio". Não se opõe a políticas económicas imperialistas dos Estados Unidos no exterior. No entanto, é um realista de mercado que reconhece que a conquista militar é dispendiosa e, no contexto do mundo contemporâneo, uma proposta economicamente perdedora para os EUA

No seu discurso de posse Donald Trump, clara e vigorosamente delineou as estratégias político-económicas que prosseguirá nos próximos quatro anos. Mas jornalistas, editorialistas, acadêmicos e especialistas anti-Trump que aparecem no Financial Times, New York Times, Washington Post e Wall Street Journal têm repetidamente distorcido e mentido sobre o seu programa, bem como sobre a sua crítica às políticas do passado.

 Começamos por discutir seriamente a crítica do Presidente Trump à economia-política contemporânea e prosseguiremos na elaboração das suas alternativas e das suas fraquezas.

Críticas de Trump à classe dominante

 A peça central da crítica do Trump à elite governante atual é o impacto negativo das políticas de globalização nos desequilíbrios dos EUA na produção, no comércio, na fiscalidade e no mercado de trabalho. Como exemplo dos efeitos negativos da globalização, Trump menciona o facto de que o capitalismo industrial dos EUA mudou drasticamente o centro dos seus investimentos, inovações e lucros para o exterior. Durante duas décadas muitos políticos e gurus têm lamentado a perda de postos de trabalho bem remunerados e estáveis em indústrias locais como parte de sua retórica de campanha ou em reuniões públicas, mas não tomaram qualquer ação eficaz contra estes aspectos mais negativos da globalização. Trump denunciou-os como "só conversa e nenhuma ação" enquanto prometia acabar com os discursos vazios e implementar mudanças importantes.

 Trump criticou os importadores que trazem produtos baratos de fabricantes estrangeiros para o mercado americano, destruindo empresas e postos de trabalho nos EUA. A sua estratégia económica de priorizar as indústrias dos EUA é uma crítica implícita ao desvio do capital produtivo para o capital financeiro e especulativo ocorrido sob as quatro administrações anteriores. No seu discurso inaugural, o ataque às elites que trocaram a "cintura da ferrugem" ("rust belt") pela Wall Street alia-se à sua promessa à classe trabalhadora: "Ouvi estas palavras! Vocês não serão ignorados novamente". Com palavras suas, Trump retrata a classe dominante "como porcos na gamela" (Financial Times, 23/01/2017, p. 11)

Crítica política-económica de Trump

 Trump dá relevo a negociações quanto a mercados com parceiros estrangeiros e adversários. Repetidamente criticou a insensata promoção pelos media e por políticos, dos mercados livres e do militarismo agressivo que minam a capacidade do país para negociar contratos rentáveis.

 A política de imigração de Trump está intimamente relacionada com a sua estratégia: "América primeiro" para a política de trabalho. Entradas maciças de imigrantes têm sido utilizadas para minar os salários, direitos laborais e emprego estável dos trabalhadores dos Estados Unidos. Isto foi documentado pela primeira vez na indústria de embalagem de alimentos, seguida das indústrias têxteis, construção e aviários. A proposta do Trump é limitar a imigração para permitir que os trabalhadores dos EUA mudem o equilíbrio de poder entre capital e trabalho e fortaleçam o poder do trabalho organizado para negociar salários, condições e benefícios. A crítica de Trump sobre a imigração massiva é baseada no facto de que estavam disponíveis empregos para trabalhadores norte-americanos qualificados naqueles mesmos sectores se os salários e condições de trabalho fossem melhorados permitindo padrões de vida dignos e estáveis para suas famílias.

Crítica política do presidente Trump

 Trump assinala os acordos de comércio, que têm ocasionado enormes défices, e conclui que os negociadores americanos falharam. Argumenta que anteriores presidentes dos Estados Unidos assinaram acordos multilaterais, para assegurar alianças militares e bases, em detrimento da negociação de pactos económicos de criação de emprego. A sua presidência promete mudar a equação: quer rasgar ou renegociar tratados económicos desfavoráveis, reduzir compromissos militares ultramarinos dos EUA e pede que os aliados da NATO suportem mais encargos nos seus orçamentos de defesa. Imediatamente após a investidura no cargo, Trump cancelou a parceria Transpacífica (TPP) e convocou uma reunião com o Canadá e México para renegociar o NAFTA.

 A agenda de Trump tem dado relevo a planos para projetos de infraestruturas no valor de 100 mil milhões de dólares, incluindo a construção de controversas condutas de petróleo e gás do Canadá para os EUA. É claro que essas condutas violam tratados existentes com os povos indígenas e são uma ameaça de degradação ecológica. No entanto, ao priorizar o uso de materiais de construção americanos e insistir na contratação apenas de trabalhadores dos EUA, as suas controversas políticas formarão a base para desenvolver empregos bem pagos para cidadãos dos EUA.

 A ênfase em investimentos e empregos nos EUA é uma ruptura total com a anterior Administração, com o Presidente Obama focado em empreender múltiplas guerras no Médio Oriente, aumentando a dívida pública e o défice da balança comercial.

 No seu discurso inaugural Trump emitiu uma severa promessa: "a carnificina americana vai parar agora e termina aqui!". Isto repercutiu-se num grande sector da classe trabalhadora e foi falado perante uma assembleia dos principais arquitetos de quatro décadas de globalização destruidora de empregos. "Carnificina" carregava um duplo significado: "carnificina" generalizada em consequência das políticas de Obama e de outras administrações na destruição de postos de trabalho no país, que resultaram em decadência e falência de pequenas cidades rurais e comunidades urbanas.

 Esta carnificina interna é a outra face das intermináveis políticas de guerra no exterior, espalhando carnificina em três continentes. As lideranças políticas dos últimos quinze anos disseminaram uma carnificina no país, permitindo uma epidemia de dependência de drogas (principalmente relacionada com a prescrição descontrolada de opiáceos sintéticos) matando centenas de milhares de norte-americanos, na maior parte jovens, e destruindo as vidas de milhões.

 Trump prometeu acabar com esta "carnificina" de vidas desperdiçadas. Infelizmente, ele não controla as grandes farmacêuticas ('Big Pharma') e a comunidade médica responsável pelo seu papel na difusão da toxicodependência nos recantos mais profundos do espaço rural dos EUA, economicamente devastados. Trump criticou os anteriores eleitos por autorizarem enormes subsídios militares a "aliados" ao mesmo tempo deixando claro que sua crítica não incluía as políticas de compras militares nos EUA e não iria contradizer a sua promessa de "reforçar velhas alianças" (NATO).

Verdades e mentiras: jornalistas lixo e militaristas de poltrona

 Entre os exemplos mais escandalosos da histeria mediática sobre a nova economia de Trump é a série sistemática e mordaz de produções virais concebidas para obscurecer a triste realidade nacional que Trump prometeu tratar. Vamos discutir e comparar os relatos publicados pelos "jornalistas lixo" (JLs) e apresentar uma versão mais precisa da situação.

 Os respeitáveis jornalistas lixo do Financial Times clamam que Trump quer "destruir o comércio mundial". Na verdade, Trump repetidamente declarou sua intenção de aumentar o comércio internacional. O que propõe é aumentar o comércio mundial dos EUA a partir do interior, em vez de o fazer a partir de outros países. Ele pretende renegociar os termos dos acordos multilaterais e bilaterais de comércio para garantir maior reciprocidade com parceiros comerciais. Sob Obama, os EUA foram mais agressivos na imposição de tarifas de comércio que qualquer outro país da OCDE.

 Os jornalistas lixo qualificam Trump como "protecionista", confundindo as suas políticas para reindustrializar a economia com a autarcia. Trump irá promover as exportações e importações, manter uma economia aberta e ao mesmo tempo aumentar o papel dos EUA como um produtor e exportador. Os EUA tornar-se-ão mais seletivos nas suas importações. Trump vai favorecer o crescimento dos exportadores e aumentar as importações de bens primários e tecnologia avançada, reduzindo a importação de automóveis, aço e produtos de consumo familiar.

 A oposição de Trump à globalização tem-se chocado com os jornalistas lixo do Washington Post como uma grave ameaça para a "ordem económica pós-Segunda Guerra Mundial". Na verdade, grandes mudanças já se processaram tornando obsoleta a velha ordem e tentativas para mantê-la levaram a crises, a guerras e mais decadência. Trump reconheceu a natureza obsoleta da velha ordem económica e decidiu que a mudança é necessária.

A velha ordem económica obsoleta e a duvidosa Nova Economia

 No final da Segunda Guerra Mundial, na maioria dos países da Europa Ocidental e Japão recorreu-se a políticas monetárias e industriais altamente restritivas, "protecionistas", para reconstruir as suas economias. Somente após um prolongado período de recuperação Alemanha e Japão cuidadosa e seletivamente liberalizaram as suas economias.

 Nas últimas décadas, a Rússia foi drasticamente transformada de uma poderosa economia coletivista numa oligarquia capitalista subordinada e gangster, mais recentemente reconstituída para uma economia mista e um Estado centralizado forte. A China transformou-se de uma economia coletivista, isolada do comércio mundial, na segunda economia mais poderosa do mundo, desalojando os EUA de maior parceiro comercial na América Latina e na Ásia. Os EUA, que antes controlavam 50% do comércio mundial, agora têm uma parte inferior a 20%. Este declínio é em parte devido ao desmantelamento da sua economia industrial quando os donos das empresas mudaram as fábricas para o exterior.

 Apesar das transformações na ordem mundial, os últimos presidentes dos EUA falharam em reconhecer a necessidade de reorganizar a economia política americana. Em vez de reconhecer, aceitar e adaptar-se às mudanças nas relações de poder e de mercado, procuraram intensificar os anteriores padrões de domínio através da guerra, intervenção militar, sangrentas e destrutivas "mudanças de regime" – devastando mercados ao invés de os criar para produtos dos EUA. Em vez de reconhecer o imenso poder económico da China e procurar renegociar acordos de comércio e cooperação, eles têm estupidamente excluído a China de pactos de comércio regional e internacional, ao ponto de cruelmente ameaçar os seus parceiros comerciais asiáticos subalternos e lançar uma política de cerco militar e provocação nos mares do Sul da China. Enquanto Trump reconhece estas alterações e a necessidade de renegociar os laços económicos, os designados para a sua Administração procuram ampliar as políticas de confronto militar de Obama.

 As anteriores Administrações em Washington ignoraram o ressurgimento da Rússia, a sua recuperação e crescimento como potência regional e mundial. Quando a realidade finalmente se enraizou, as anteriores administrações dos EUA aumentaram a sua ingerência nos antigos aliados da União Soviética, estabeleceram bases militares e exercícios de guerra nas fronteiras da Rússia. Em vez de aprofundar o comércio e o investimento na Rússia, Washington gastou milhares de milhões em sanções e gastos militares – designadamente fomentando o violento regime golpista da Ucrânia. As políticas de Obama que promoveram a violenta tomada do poder na Ucrânia, Síria e Líbia foram motivados pelo desejo de derrubar governos amigos da Rússia – devastando esses países e, finalmente, fortalecendo a vontade da Rússia em consolidar e defender as suas fronteiras e formar novas alianças estratégicas.

 No início de sua campanha, Trump reconheceu as novas realidades do mundo e propôs-se a alterar a substância, os símbolos, a retórica e as relações com adversários e aliados – adequadas a uma nova economia.

 Em primeiro lugar e acima de tudo, Trump olhou para as desastrosas guerras no Médio Oriente e reconheceu os limites do poder militar dos EUA: os EUA não poderiam envolver-se em múltiplos confrontos, guerras nunca terminadas de conquista e ocupação no Médio Oriente, Norte de África e Ásia sem suportar maiores custos internos.

 Em segundo lugar, Trump reconheceu que a Rússia não era uma ameaça militar estratégica para os Estados Unidos. Além disso, o governo russo sob Vladimir Putin estava disposto a cooperar com os EUA para derrotar um inimigo mútuo – ISIS e suas redes terroristas. A Rússia também estava ansiosa por voltar a abrir os seus mercados aos investidores dos Estados Unidos, que também estavam ansiosos para voltar depois de anos de sanções impostas por Obama-Clinton-Kerry. Trump, realista, propõe-se acabar com as sanções e restaurar relações de mercado favoráveis.

 Em terceiro lugar, é evidente para Trump que as guerras dos EUA no Médio Oriente impõem enormes custos com benefícios mínimos para a economia dos EUA. Ele quer aumentar as relações de mercado com os poderes económicos e militares regionais, como a Turquia, Israel e as monarquias do Golfo. Trump não está interessado na Palestina, Iémen, Síria ou os curdos – que não oferecem oportunidades de investimento e comércio. Ele ignora o enorme poder económico e militar regional do Irão, contudo propôs-se renegociar o recente acordo feito entre seis países e o Irão a fim de melhorar o lado americano na disputa A sua campanha retórica hostil contra Teerão pode ter sido concebida para aplacar Israel e a poderosa quinta coluna do "Israel-Firsters" nos EUA. Isto certamente entra em conflito com as suas declarações "América primeiro". Veremos se Donald Trump irá continuar a manter o "show" de submissão ao projeto sionista expansão de Israel ao mesmo tempo que procura incluir o Irão como parte da sua agenda de mercado regional.

 O jornalismo lixo afirma que Trump adotou uma nova postura belicosa para com a China e ameaça lançar uma "agenda protecionista" que, em última análise, vai empurrar os países do Pacífico para mais perto de Pequim. Pelo contrário, Trump aparece com a intenção de renegociar e aumentar o comércio através de acordos bilaterais.

 Trump irá mais provavelmente manter, mas não expandir, o cerco militar de Obama às fronteiras marítimas da China, que ameaça as suas rotas marítimas vitais. No entanto, ao contrário de Obama, Trump vai renegociar as relações económicas e de comércio com Pequim – vendo a China como uma grande potência económica e não como uma nação em desenvolvimento com intenção de proteger suas indústrias nascentes. O realismo de Trump irá refletir a nova ordem económica: a China é um poder económico amadurecido, altamente competitivo, um poder económico mundial que tem estado a sobrepor-se aos EUA, em parte mantendo os seus próprios subsídios e incentivos estatais da sua anterior fase económica. Isto conduziu a desequilíbrios significativos. Trump, realista, reconhece que a China oferece grandes oportunidades para o comércio e o investimento se os EUA puderem garantir acordos recíprocos, que levem a uma balança comercial mais favorável.

 Trump não quer lançar-se numa "guerra comercial" com a China, mas precisa restaurar os EUA como uma grande nação "exportadora" a fim de implementar a sua agenda económica nacional. As negociações com a China serão muito difíceis porque a elite importadora dos EUA está contra a agenda de Trump e do lado da classe dirigente de Pequim decididamente orientada para a exportação.

 Além disto, como a elite bancária de Wall Street está a discutir com Pequim a entrada nos mercados financeiros da China, o sector financeiro norte-americano é um aliado instável e pouco disposto às políticas pro-indústria de Trump.

Conclusão

 Trump não é um "protecionista", nem se opõe ao "livre comércio". As acusações dos jornalistas lixo são infundadas. Trump não se opõe a políticas económicas imperialistas dos Estados Unidos no exterior. No entanto, é um realista de mercado que reconhece que a conquista militar é dispendiosa e, no contexto do mundo contemporâneo, uma proposta economicamente perdedora para os EUA. Reconhece que os EUA devem virar a página duma finança predominante e uma economia importadora para uma economia produtora e exportadora.

 Trump vê a Rússia como um potencial parceiro económico e aliado militar para acabar com as guerras na Síria, Iraque, Afeganistão e Ucrânia e especialmente para derrotar a ameaça terrorista do ISIS. Ele vê a China como um concorrente económico poderoso que tem aproveitando privilégios comerciais desatualizados, e quer renegociar pactos de comércio em consonância com o atual equilíbrio do poder económico.

 Trump é um capitalista-nacionalista, imperialista de mercado e político realista que está disposto a pisar os direitos das mulheres, legislação de mudança climática, tratados indígenas e direitos de imigrantes. As nomeações para o seu governo e os seus colegas Republicanos no Congresso são motivadas por uma ideologia militarista mais perto da doutrina Obama-Clinton do que a sua agenda "América primeiro". Ele está cercado na sua Administração por militares imperialistas, expansionistas territoriais e fanáticos delirantes.

 Quem vai ganhar a curto ou longo prazo está para ser visto. O que está claro é que os liberais, os falcões do Partido Democrata e os defensores dos bandidos fascistas de rua de camisas pretas, estarão ao lado dos imperialistas estarão ao lado dos imperialistas e encontrarão uma multidão de aliados entre em torno do regime Trump.

 

[Artigo tirado do sitio web portugués Resistir.info, do 6 de febreiro de 2017]