UE: Os dias contados

Jorge Bateira - 28 Xun 2016

Tendo em conta que as políticas da UE não serão alteradas no essencial, já que isso é do interesse das elites alemãs e da tecno-burocracia de Bruxelas-Frankfurt, tudo se conjuga para que as tensões sociais e políticas se agravem nos próximos anos.

 O povo do Reino Unido decidiu Brexit. Foi um dia histórico porque marca o início do fim da UE.

 Pelo que li, há uma grande correlação entre o voto pelo Sair e a condição sócio-económica dos eleitores. Nada para admirar já que o agravamento da desigualdade, a precariedade do trabalho, os empregos com salários de pobreza, a privatização e degradação dos serviços públicos, e de outros de interesse geral (transportes, energia), as dificuldades no acesso à habitação, etc. são o resultado da política neoliberal que os governos trabalhistas e conservadores aplicaram consistentemente nas últimas décadas. Os Tratados da UE, e as suas políticas ao serviço da finança, sempre foram apresentados como o caminho do progresso numa Europa perfeitamente integrada na globalização. As elites neoliberais do RU (conservadores, trabalhistas e outros, de mãos dadas), e a classe média sem dificuldades, estavam do lado do Ficar. Os eleitores "de baixo" não se enganaram quanto aos responsáveis pelo seu mal-estar ("It is the jet-set graduates versus the working class, the metropolitans versus the bumpkins—and, above all, the winners of globalization against its losers").

 A imigração desregulada também faz parte do modelo fundador da UE: livre circulação de mercadorias, de capitais... e de trabalhadores. Porém, ao contrário do que previa a teoria económica do neoliberalismo, a desigualdade na UE agravou-se, entre países e dentro dos países. Os da periferia endividaram-se e, encurralados na zona euro sob tutela da austeridade germânica, vão perdendo os seus trabalhadores mais dinâmicos que, por salários muito mais baixos, concorrem com os trabalhadores britânicos (nos anos 50 do século passado, Gunnar Myrdal estudou bem estes processos). Outros, ainda mais periféricos e recém-chegados à UE, fornecem redes criminosas que trabalham na economia paralela do RU. Tudo isto agravado por uma política de laissez-faire no que toca à imigração das ex-colónias, o que permitiu a criação de enclaves étnico-culturais que suscitaram o discurso xenófobo. Recordando os anos trinta do século passado, a estrutura da crise é a mesma: políticas de esmagamento do trabalho e nomeação de bodes expiatórios, nessa altura os judeus, hoje algumas comunidades de imigrantes. Com a participação activa dos economistas (da esmagadora maioria).

 O Labour está numa encruzilhada: ou Jeremy Corbin assume em definitivo os anseios das classes trabalhadoras, dos jovens precarizados e das regiões deprimidas, e ainda pode ganhar as eleições no Outono, ou o Labour expulsa Corbyn e iniciará um declínio inexorável. Aliás, o mesmo dilema espera os socialistas de outros países, com destaque para França, Espanha e Portugal.

 Tendo em conta que as políticas da UE não serão alteradas no essencial, já que isso é do interesse das elites alemãs e da tecno-burocracia de Bruxelas-Frankfurt, tudo se conjuga para que as tensões sociais e políticas se agravem nos próximos anos. O BCE bem pode continuar a proteger a moeda única nos mercados financeiros, mas seguramente não pode impedir novos referendos nem a eleição de governos de ruptura. O desastroso projecto da UEM tem os dias contados. Os ratos podem começar a abandonar o navio.

 

[Artigo tirado do sitio web portugués ‘Ladrões de Bicicletas’, do 27 de xuño de 2016]